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Equação do lucro é complexa nos hospitais privados

Fonte: Equação do lucro é complexa nos hospitais privados | Saúde | Valor Econômico (ampproject.org)

Por Roseli Lopes -30/06/2023 05h10

Os pouco mais de 4.500 hospitais privados do país enfrentam, atualmente, as sequelas financeiras decorrentes da pandemia da covid-19. Além do aumento dos custos gerados na crise sanitária, revisão do orçamento e investimentos reprogramados, a rede hospitalar privada tem sido fortemente afetada pelo problema de caixa das operadoras de planos de saúde, derivado do alto índice de sinistralidade, que em 2022 bateu recorde ao ficar acima de 90%. “O momento atual é muito desafiador, basicamente porque os hospitais estão sofrendo enorme pressão por parte das operadoras de saúde suplementar, que, devido à alta taxa de sinistros, partiram para uma política agressiva de adiamento do pagamento dos serviços prestados pelos hospitais”, diz Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), que representa 121 associados, com oferta de 28.070 leitos.

O tamanho do impacto no fluxo financeiro dos hospitais particulares pode ser medido pela participação das operadoras de planos de saúde na receita das instituições, 83,4%, segundo a Anahp, mas que pode chegar a 90% naqueles que não trabalham com o SUS e que, portanto, não têm reembolso do Estado pelo atendimento prestado. A Anahp relata que o pagamento, antes feito em até 72 dias após o hospital apresentar a fatura, demora agora 120 dias. “As operadoras têm lançado mão de um conjunto de estratégias para, na verdade, adiar o momento de pagar os hospitais”, afirma Britto. Primeiro, conforme diz, elas decidiram estabelecer limites de faturamento por mês, independentemente do volume de serviço prestado, colocando uma barreira na cobrança.

As operadoras também passaram a glosar as contas com mais frequência como forma de alongar o prazo de pagamento. É um recurso, comenta o diretor da Anahp, que vem sendo visivelmente utilizado de maneira deturpada. “Queremos ver operadoras saudáveis, mas não é possível que esse equilíbrio se faça prejudicando os hospitais. Hoje, é uma relação em que as operadoras estão com a faca e o queijo na mão”, lamenta.

Para driblar o descompasso financeiro provocado por custos elevados e receitas mais magras, a maioria dos hospitais tenta equilibrar o caixa com uma visão macro das despesas e dos investimentos. José Marcelo de Oliveira, CEO do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, diz que o momento atual de pressão do sistema pela busca de tratamento de maior complexidade – portanto, de maiores custo e tempo de internação – e pela volta dos procedimentos eletivos represados na pandemia é a realidade do Oswaldo Cruz. E isso, conforme afirma, tem trazido o desafio de como sustentar o dispêndio da medicina hoje.

No primeiro semestre de 2022, os dois picos da variante ômicron impactaram o resultado do hospital no período, com o dobro de visitas ao pronto-socorro. No segundo, apesar de ter conseguido fechar o ano com crescimento de 10% na receita líquida, para R$ 1,24 bilhão, o Ebitda avançou 21,3%, para R$ 104,5 milhões, mas ficou abaixo dos 30% planejados. “Preocupa a sinistralidade das operadoras, que pagam 90% dos pacientes, e a maior dificuldade no recebimento do atendimento aos beneficiários delas, gerando um esforço de contenção do caixa muito maior”, diz Oliveira.

Com os custos nas alturas, o Oswaldo Cruz optou por uma expansão, buscando otimizar as áreas já disponíveis na atual estrutura. “Não estamos atrás de novas unidades porque o capital está caro, com juros elevados. Então combinamos a melhor relação custo/benefício, encurtando o tempo de expansão e reduzindo o risco do investimento. O hospital está aumentando o número de leitos e a área de emergência, mas dentro da unidade principal. O momento, para nós, é de investimento muito seletivo”, explica.

No Sírio-Libanês, quando 2022 começou a dar sinais de uma volta mais próxima do normal, o hospital iniciou uma série de programas de melhoria de produtividade, mas com ajustes e redução de gastos. Escolheu investir em um novo formato de expansão. “Já passou o tempo da expansão via hospitais gerais, porque, em termos de investimento, hoje seria proibitivo devido aos valores”, diz o CEO, Paulo Nigro. A estratégia adotada foi criar hubs para o pronto atendimento e casos menos graves e deixar o foco do hospital para a alta complexidade. A primeira unidade-satélite foi inaugurada em Brasília, no ano passado, e três serão abertas: uma neste ano, em Águas Claras (DF), e outras duas em São Paulo, no ano que vem. O primeiro quadrimestre de 2023, segundo o executivo, foi de forte ocupação com o retorno do paciente eletivo, mas o hospital não teve, ainda, o retorno da receita no mesmo patamar pré-pandemia.

Já o Hospital Israelita Albert Einstein viu, no primeiro ano da pandemia, a receita cair 50%, e todo o orçamento planejado para 2020 teve de ser reorganizado devido ao menor número de procedimentos de alta complexidade, negócio principal do hospital. A receita veio no ano seguinte com mais pacientes, mas acompanhada de um dispêndio muito maior, diz Sidney Klajner, presidente do Einstein. Para ele, o cenário atual aponta para uma busca maior pelos procedimentos eletivos. Por isso, o Einstein aumentou a capacidade de internação em 50 leitos em 2022. Com os 30 leitos abertos em 2021, o hospital cresceu perto de 80 leitos, que atendem uma taxa de ocupação acima de 90%.

“O que temos feito para garantir a sustentabilidade é reforçar a atuação na prevenção com a criação de unidades de atenção primária que possuem tíquete menor. São hoje cinco unidades, inauguradas a partir de 2018”, conta Klajner. O hospital de campanha construído ao lado do prédio principal do hospital para atendimento de pacientes com covid-19 foi reaproveitado pelo Einstein como um pulmão reserva para o aumento das internações, mitigando gastos e redirecionando investimentos para a alta complexidade. Caso do hospital oncológico que construirá em São Paulo, num investimento total de R$ 1,2 bilhão, sendo R$ 400 milhões do caixa do Einstein.

No Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS), a busca pela saúde financeira passa por um “escritório de valor”, criado para medir as práticas, os protocolos, as rotinas e o resultados. “A ideia é trabalhar de forma organizada para reduzir os desperdícios”, diz o CEO Mohamed Parrini. Em 2022, a receita líquida chegou a R$ 1,250 bilhão.

Para o Hospital Nove de Julho, o sistema como um todo entrou no que chama de tempestade perfeita. Com problemas de caixa e adiamento do repasse de valores devidos pelos tratamentos efetuados, as operadoras têm desequilibrado o caixa de hospitais. “Certamente os resultados ruins das empresas de planos de saúde têm tido um impacto no nosso fluxo de caixa”, diz Bruno Pinto, diretor do Nove de Julho.

No meio desse cenário bateu na porta dos hospitais a lei que criou o piso nacional da enfermagem, gerando polêmica no setor. “Não estamos discutindo o mérito da lei, mas sim quem vai pagar essa conta, porque vai impactar direto no custo fixo dos hospitais, que já é extremamente oneroso”, diz Adelvânio Morato, presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH). Muitos hospitais, especialmente os menores, segundo Morato, correm o risco de perder leitos, demitir e até fechar. Isso porque a lei não teria considerado, em sua avaliação, a realidade regional brasileira com suas diferenças econômicas. Para os hospitais privados, o piso ainda não deve entrar em vigor, pois o ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a vigência até que seja definido de onde poderão vir os valores para o pagamento do piso. Em sua decisão, o ministro considerou existirem riscos nocivos, como demissão de profissionais e queda na oferta de leitos, se não ficar definido como poderá ser o custeio da medida.

“Estamos tentando fazer com que os hospitais se tornem viáveis, porque o setor já sofre com a alta tributação”, diz Morato. Para ajudar o setor, a FBH acaba de criar a Frente Parlamentar da Saúde, para discutir com o governo pautas prioritárias do setor. “Já tivemos, em maio, duas reuniões com o Ministério da Saúde para levar a realidade do setor, porque estamos perdendo leitos e hospitais a cada dia que passa”, afirma o presidente da FBH.

Entre as demandas que serão colocadas na mesa da ministra da Saúde, Nísia Trindade, estão a inclusão do setor hospitalar na desoneração da folha de pagamentos, os impactos do piso da enfermagem na sustentabilidade financeira dos hospitais e atualização da tabela de procedimentos do SUS. Só a desoneração da folha permitiria aos hospitais pagar alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez dos 20% sobre a folha de salários como é atualmente.

 



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